Link Supesp entrevista Maria da Penha e traz sua visão da luta pelo fim da violência de gênero
19 de dezembro de 2025 - 19:42 #Disque Denúncia #Link Supesp #Maria da Penha #PCCE #PMCE #SSPDS
Em 2026, a lei que se tornou um marco na luta pelos direitos das mulheres e contra a violência doméstica e de gênero completa 20 anos. Para a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, 80, é uma luta que não cessa, apesar de já ter quase 42 anos que foi vítima de duas tentativas de homicídio, cometidas por seu próprio esposo, uma delas enquanto dormia e que a deixou paraplégica. Na sexta entrevista da série Link Supesp, o leitor conhecerá um pouco mais dessa trajetória de desafios, as carências ainda no combate a esse tipo de crime e a força das políticas públicas que procuram reduzir os impactos de uma violência que deixa várias vítimas pelo caminho.

Link Supesp – Qual a avaliação da senhora sobre as medidas protetivas?
Maria – A medida protetiva é importante no momento em que ela deixa a mulher respirar, porque ela se sente protegida saindo daquela situação de violência e vai viver uma nova experiência. Não resta dúvidas que a medida protetiva tem salvado vidas, que o trabalho da Patrulha Maria de Penha é muito importante. Temos notícia de que em alguns municípios onde existe a atuação da patrulha, por exemplo, já anima uma vítima da violência a tomar uma decisão. Aconteceu aqui no Ceará com uma mulher mantida em cárcere privado por dois anos e quando teve a chance, viu a patrulha numa praça e pediu socorro. Então, a presença de uma política pública eficiente é determinante pra esse enfrentamento. Mas essa medida só reduzirá mais os riscos se houver um engajamento de outras medidas complementares.
Link Supesp – A senhora acredita que a educação masculina para a não-violência contra mulheres, do ensino básico, médio, faculdades, até nas empresas pode contribuir com a causa?
Maria – Com certeza! Tem aumentado muito os casos; temos mais visibilidade, porque primeiramente era vergonhoso falar sobre o assunto. Nenhuma criança nasce machista, homofóbica. Ela aprende dentro das suas casas e nas comunidades. O que defendemos aqui no instituto é que a educação é essencial para a transformação, a partir do ensino fundamental até universitário, para que todos do seu círculo entendam que o respeito ao outro é essencial, criando uma cultura de paz. Então, hoje em dia, as mulheres já não escondem que sofrem essa violência, porque é estimulada a denunciar. Mas o histórico dessa violência é longo e temos as notícias das nossas antepassadas que passaram por essas agressões, porém mantinham aquele status de família feliz. O silêncio prevalecia, pois tinha aquele questionamento: será que ele é violento? Ou será que é algo que ela não sabe fazer dentro de casa? E “provoca” esse comportamento do homem? A mulher, portanto, era sempre culpada em qualquer contexto.
Link Supesp – A Supesp desenvolveu, entre outros, os painéis dinâmicos do Feminicídio e de crimes da Lei Maria da Penha, disponíveis e abertos ao público no site do órgão com indicadores detalhados sobre esse tipo de violência contra as mulheres. Mais transparência de dados ajuda no seu trabalho e do instituto na prevenção e enfrentamento da violência contra a mulher?
Maria – Sim, ajuda, porque como acontece atualmente, o aumento dos casos de feminicídio, saber onde e como isso acontece já é um indicativo pra saber aonde estamos falhando. Diminuiu a política pública? Por quê? Se a lei é considerada uma das melhores do mundo. Recentemente, saiu uma notícia na Itália, se não me engano, que o autor de um feminicídio, será condenado à prisão perpétua. Mas isso resolverá? Não é a prisão perpétua que fará ele deixar de ser agressor e os outros deixem de sê-lo. É a desconstrução realmente, de uma educação machista, misógina, para uma educação de respeito, de igualdade (que fará a diferença).

Link Supesp – Na sua visão, em 20 anos de existência, qual o maior avanço da Lei Maria da Penha?
Maria – Acho exatamente que foi o da conscientização que ela traz para que nós, mulheres, tenhamos nossos direitos respeitados e que quem os desrespeita precisa ser penalizado. Importante, também, o apoio que essa legislação trouxe para essas mulheres terem medidas protetivas, poderem denunciar, não terem vergonha por serem vítimas de violência, além de deixar claro que elas não são culpadas por isso. Essa é uma questão cultural. Eu pergunto agora (sic). Em 2026, a lei completa 20 anos. O que são dos órfãos das mulheres vítimas de violência doméstica, que perderam suas mães há 20 anos? O que foi feito por elas? Como estão hoje? Qual o aparato que o Estado oferece? E não falo apenas de dinheiro, mas educacional, psicológico. Que cidadão ou cidadã temos hoje?
Link Supesp – Essa pauta é uma maior preocupação sua atualmente?
Maria – Sim. As minhas filhas, por exemplo, eu procurei um atendimento psicológico, mas quem não tem esse atendimento? Quem vai assumir essa criança? A família da mãe que perdeu a filha? Ou a família do pai? Será um novo ambiente de violência? Se for com a família da mãe, escutará que ‘sua mãe morreu, porque seu pai não prestava’. Se ficar amparada pela família do pai, vai escutar ‘seu pai está preso porque sua mãe não prestava’. E a cabeça dessa criança, como fica? Então, a importância dessa lei amparar a todos os envolvidos, inclusive o agressor, porque não é só o aumento de pena que vai modificá-lo, mas um acompanhamento com grupos reflexivos, para que ele saia da pena como outro homem.
Link Supesp – A senhora sente que o aparato policial e da segurança pública em geral, além da presença das delegacias da mulher, da Casa da Mulher Brasileira e de outras políticas têm melhorado o enfrentamento a esse tipo de violência?
Maria – Se a vítima hoje acionar o que tem à disposição, ela tem uma grande chance de escapar dessa violência. O problema é chegar a acionar, porque no pequeno município não tem a grande estrutura de uma cidade de maior porte, ela não tem o conhecimento, onde procurar ajuda. Porque se tiver uma delegacia da Mulher, que geralmente não tem; mas ainda que tenha, quando ela chegar em casa leva outra surra. É importante que os pequenos municípios também estejam bem mais aparelhados e capacitados para identificar a situação, preservando a vítima, ter locais de escuta.

Link Supesp – A existência do Grupo de Apoio às Vítimas de Violência (GAVV), um programa da Polícia Militar do Ceará que oferece acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade, atua há quase 15 anos fazendo esse trabalho de acolhimento e prevenção à violência contra a mulher. A senhora conhece de perto esse projeto e como avalia sua atuação? Inclusive, nos locais onde há a presença do GAVV, os registros de feminicídio são zero.
Maria – Eu acho importante demais. É uma maneira de tornar uma pessoa mais humana. Essas estatísticas precisam ser amplamente divulgadas e precisa ser ampliada toda iniciativa desse porte.
Link Supesp – Fora do debate e do ambiente em torno da temática violência contra a mulher, o que diverte, mobiliza, sensibiliza a farmacêutica Maria da Penha?
Maria – Eu gosto muito de ler, mas todo o meu tempo é envolvido com essa causa. Então não me furto a dar uma entrevista ou a ir a um evento em relação ao enfrentamento à violência. Eu me sinto muito feliz de ter contado com o poder público em muitas ocasiões. (Em uma delas) me fez renascer. O primeiro momento, (aconteceu) quando foi designado pela Secretaria da Segurança Pública o delegado Nival Freire, responsável por coordenar uma perícia no local do crime onde fui vítima de um tiro disparado por meu próprio esposo à época. Passados quatro meses do atentado, eu ainda não tinha dado meu depoimento, pois estava hospitalizada.
Após os meus depoimentos, ele disse que estava muito feliz em ouvir minha versão, porque só confirmava o trabalho da perícia: de que “a senhora não foi vítima de uma tentativa de assalto, mas de uma tentativa de homicídio”. Pra mim foi uma surpresa, porque os casos de feminicídio, de agressão a mulheres, naquele momento eram abafados; eu não tinha conhecimento de nada sobre isso.
Porque é uma realidade muito difícil conviver, a de viver a violência diariamente, sem saber se o seu marido chegará em casa num dia normal ou alterado chutando as paredes, derrubando as filhas no tapa, quebrando as coisas, como eu relato no livro “Sobrevivi…posso contar”. Eu chorei muito, mas comecei a entender toda aquela situação. Foram quase 20 anos de sofrimento até sair a sua condenação. Foi uma luta muito grande, porque muitas pessoas diziam que o julgamento poderia ser anulado. Mas com o livro veio um alívio, porque mesmo que a Justiça não condenasse, a história não apenas contada, mas baseada nos autos policiais, o condenaria. Por mais que o poder judiciário tivesse interferido negativamente, ele foi preso pelas pressões das cortes internacionais.

Link Supesp – Apesar do aumento constante do número de denúncias contra a violência por parte das mulheres, a própria vítima, por diversos contextos, ainda tem dificuldade de denunciar o agressor? Como romper com essa barreira? Esse é um dos grandes desafios de enfrentamento do problema?
Maria – Sim. A mesma mulher que tem sua autonomia financeira comprovada se ilude, pensando que as promessas feitas pelo agressor, que muitas vezes começa com agressões verbais e vai escalando, são realmente uma promessa de mudança. Tem um pensamento que traduz bem isso e eu uso muito pra refletir sobre isso. “A cadeia tem homens presos porque assassinaram suas mulheres, mas o cemitério está cheio de mulheres que perdoaram”. Então, as mulheres também precisam ser educadas a refletirem sobre o não permitir e não perdoar a violência que sofrem e não sentirem culpa por isso. Precisamos ter a noção do que está perdoando.
Link Supesp – Qual mensagem que daria para àqueles que acompanharam sua trajetória e que atuaram no enfrentamento à violência contra a mulher? E o que diria a essa Maria da Penha de hoje? A sua luta valeu a pena?
Maria – O avanço da lei se deve aos movimentos sociais. Todas as pessoas envolvidas com essa questão da lei estão contribuindo pra que as mulheres se conscientizem mais e que elas consigam ter coragem ou encontrar espaço que lhes dê voz e vez. Toda essa luta continua valendo a pena. Acho que em 20 anos, apenas da misoginia ser muito presente no Estado brasileiro, as mulheres estão mais atentas aos seus direitos. A decepção existe em muitas situações, mas você precisa se levantar e continuar essa luta.
Link Supesp – A história de Maria da Penha daria um ótimo filme. Existe algum projeto assim?
Maria – Sim, tem uma iniciativa nesse sentido para um documentário, mas não posso adiantar mais detalhes.

Ações da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS/CE) contra a violência à mulher
Entre janeiro e novembro de 2025, foram realizadas 68 prisões por crimes de feminicídio, incluindo prisões em flagrante e cumprimento de mandados judiciais. No mesmo período de 2024, foram registradas 48 prisões, o que representa um aumento de 41,7%.
Em relação à Lei Maria da Penha, foram efetuadas 3.580 capturas em flagrante no Ceará no período acima analisado. Na comparação com os mesmos meses de 2024, quando houve 3.112 capturas em flagrante, o crescimento foi de 15%. Os dados foram compilados pela Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), órgão vinculado à SSPDS.
Na Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE), a população conta com 11 unidades da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), responsáveis por receber denúncias e investigar crimes praticados no âmbito doméstico e familiar, além de feminicídios e crimes sexuais. Na capital, duas unidades especializadas estão em funcionamento: uma na Casa da Mulher Brasileira, no bairro Couto Fernandes, e outra no bairro Papicu.
No interior do estado, há DDMs nos municípios de Juazeiro do Norte, Sobral, Quixadá, Pacatuba, Caucaia, Maracanaú, Crato, Iguatu e Icó. Nas cidades onde não há unidade especializada, os casos podem ser registrados e investigados pelas demais delegacias da PCCE. O Governo do Ceará investe ainda na ampliação da rede de atendimento, com a construção de três Casas da Mulher Cearense, nos municípios de Tauá, Iguatu e Crateús, além de três Casas da Mulher Brasileira, em Itapipoca, São Benedito e Limoeiro do Norte.
Em parceria com a Secretaria das Mulheres (SEM) e a SSPDS, a PCCE lançou, em agosto de 2023, o sistema virtual de solicitação de medidas protetivas de urgência, disponível no site mulher.policiacivil.ce.gov.br.
Com o objetivo de acolher e minimizar os danos causados pela violência doméstica e sexual, o Núcleo de Atendimento Especial à Mulher, Criança e Adolescente (Namca) da Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) recebe mulheres que passaram por situações de violência. O serviço funciona em Fortaleza, mas também conta com unidades em Sobral, Juazeiro do Norte, Quixeramobim, Iguatu, Tauá, Russas, Crateús e Itapipoca.
Para denunciar:
Em casos de emergência, ligar para o número 190. Outros canais de denúncia incluem o 180, da Central de Atendimento à Mulher; o 181, o Disque-Denúncia da SSPDS; e o WhatsApp (85) 3101-0181, que permite envio de mensagens, áudios, vídeos e fotos. Também é possível utilizar o serviço e-denúncia pelo site disquedenuncia181.sspds.ce.gov.br. O sigilo e o anonimato são garantidos. O sistema virtual de solicitação de medidas protetivas de urgência está disponível no site mulher.policiacivil.ce.gov.br
Fortaleza
DELEGACIA DE DEFESA DA MULHER – DDM – 24H
R. Tabuleiro do Norte, s/n, Couto Fernandes – Fortaleza/CE
(85) 3108-2950 | ddmfortaleza@policiacivil.ce.gov.br
DELEGACIA DE DEFESA DA MULHER – DDM – 8 às 17H
R. Valdetário Mota, Nº 970, Papicu – Fortaleza/CE
Caucaia
DELEGACIA DE DEFESA DA MULHER – CAUCAIA
Rua Porcina Leite, No 113, Parque Soledade – Caucaia/CE
(85) 3101-7926 / 3101-7927 | ddmcaucaia@policiacivil.ce.gov.br
Crato
DELEGACIA DE DEFESA DA MULHER – CRATO
Endereço: Rua Dom Quintino, Nº 704, Centro – Crato/CE
Telefone: (88) 3102.1250
Icó
DELEGACIA DE DEFESA DA MULHER – ICÓ
Endereço: Rua Padre José Alves de Macedo, Nº 963, Cidade Nova – Icó/CE
Telefone: (88) 3561.5551 | (88) 98170-0298 | ddmico@policiacivil.ce.gov.br
Iguatu
DELEGACIA DE DEFESA DA MULHER – IGUATU
Av. Monsenhor Coelho, s/n, São Sebastião – Iguatu/CE
(88) 3581-9454 | ddmiguatu@policiacivil.ce.gov.br
Juazeiro do Norte
DELEGACIA DE DEFESA DA MULHER – JUAZEIRO DO NORTE
Endereço: Avenida Padre Cícero, Nº 4455, São José – Juazeiro do Norte/CE
Telefone: (88) 3102.1102 | (11) 95442-6374 | ddmjuazeiro@policiacivil.ce.gov.br
Maracanaú
DELEGACIA DE DEFESA DA MULHER – MARACANAÚ
Av. Padre José Holanda do Vale, Nº 1961, Piratininga – Maracanaú/CE
(85) 99757-3132 | ddmmaracanau@policiacivil.ce.gov.br
Pacatuba
DELEGACIA DE DEFESA DA MULHER – PACATUBA
Av. Marginal Nordeste, s/n, Conj. Jereissati 3 – Pacatuba/CE
(85) 3384-5820/ (85) 98161-7982 | ddmpacatuba@policiacivil.ce.gov.br
Quixadá
DELEGACIA DE DEFESA DA MULHER – QUIXADÁ
Endereço: Rua Luiz Barbosa da Silva,Nº 270, Renascer – Quixadá/CE
Telefone: (85) 98957.2422 / (88) 3412-8082 | ddmquixada@policiacivil.ce.gov.br
Sobral
DELEGACIA DE DEFESA DA MULHER – SOBRAL
Avenida Mons. Aloísio Pinto, s/n, Gerardo Cristino – Sobral/CE
(85) 99915-3463 | (88) 3677-4282| ddmsobral@policiacivil.ce.gov.br