Dupla canina do CBMCE: chegou a hora de pendurar a coleira e ir para a reserva

7 de fevereiro de 2020 - 17:00 # # # # # # #

Foto: Soldado BM Gilseppe Bonazzi/CBMCE

A dupla canina esteve em diversas operações de resgate em que o Corpo de Bombeiros Militar do Ceará participou, entre elas o trabalho em Brumadinho (MG) e no Edifício Andréa, em Fortaleza

Melhores amigos do homem, fiéis escudeiros e, para esses dois, heróis. É assim que podemos classificar os cachorros Athos (12 anos) e Uno (10 anos), pai e filho, que durante suas vidas fizeram parte da Companhia de Busca, Regaste e Salvamento com Cães (CBresc) do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBMCE). Agora, eles estão deixando suas atividades pela idade já avançada e se “aposentando” do trabalho junto à corporação – e porquê não dizer que estão indo para a reserva, como se fala na carreira militar quando um profissional completa seu tempo de serviço. Durante todos esses anos, ambos fizeram parte das equipes que trabalharam em importantes operações no Ceará, como no desabamento do Edifício Andréa, em Fortaleza, e até em outros estados, a exemplo da tragédia em Brumadinho (MG).

Athos e Uno tinham a companhia de mais 11 cães no trabalho da CBresc. Em uma década, ao lado dos companheiros, eles atuaram em diversas ocorrências de resgate das mais variadas situações em todo o território cearense e até brasileiro, como ocultação de cadáver, busca por pessoas perdidas em matas, usuários de drogas que se desorientam, pessoas desaparecidas com alzheimer, vítimas de estruturas colapsadas, entre outros.

Para o subtenente J. Maria, condutor do Uno, o desafio agora é levar a eficácia do cão em resgates para os que estão em capacitação. “Fica a lembrança do bom trabalho que ele desempenhou, as atividades e o aprendizado. Já estou repassando para outro, tomando como experiência tudo o que foi feito com ele (Uno) para ver se a gente desenvolve o treinamento de um cão com a mesma eficiência”, disse o bombeiro.

Novo lar

Teoricamente, quando se forma um binômio (como se chama a dupla formada pelo guia e o animal), esse só se desfaz em situações bem específicas: falecimento do cão, bombeiro entrando para a reserva ou “aposentadoria” do cão. Só que na prática não é bem isso que acontece. Com o término das atividades de resgate na companhia, os cães passam a ter um novo lar. Eles saem do canil dos Bombeiros e vão morar com seus guias, com quem trabalharam ao longo desse tempo. No caso de Athos e Uno, a residência do cabo Argeu e do subtenente J. Maria, respectivamente.

“Devido ao vínculo que se cria, o condutor leva o cão, porque não é só uma ferramenta de trabalho, você cria um vínculo que vai além do trabalho. É inimaginável pensar que aquele animal que foi seu parceiro durante anos você vai deixar para trás. Os nossos bombeiros até hoje levam seus cães quando se aposentam para morar consigo. Eu, inclusive, levei o meu”, conta o tenente-coronel Lino, comandante da CBresc.

Em seu novo lar, Athos já é tratado como um ente da família. “Era um momento esperado. Lá em casa já estávamos nos planejando para recebê-lo assim que encerrasse as atividades aqui no canil. A família toda já se apegou, leva ele para passear, as crianças ficam abraçando e beijando direto. Acredito que ele está na vida que sempre sonhou”, confidencia o cabo Argeu.

Nascidos para resgatar

Essa afetividade criada é em decorrência do trabalho de confiança e cumplicidade fomentado desde o nascimento dos animais. Esse vínculo, para o comandante, é que faz a diferença no trabalho. “O principal comprometimento no serviço é a relação que há entre o cão e o condutor dele. Depois de começar o vínculo e a relação de treinamento, eles perduram. Para isso, todo o estímulo positivo é levado pelo condutor ao filhotinho durante os treinamentos e até na vida adulta do cão. Tudo o que você pensar de bom é esse cara (condutor) que leva. Se você pensar em algo que possa gerar uma dúvida no cão, como por exemplo dar uma injeção, é outra pessoa que faz para que ele nunca possa associar um fato ruim à imagem do condutor. Com isso, eu desenvolvo no cão a imagem de que tudo de bom vem do condutor e isso é muito importante na ocorrência, principalmente para acessar locais de estabilidade duvidosa, pois ele já acredita que ali é seguro, muito embora a gente saiba que o motivo de utilizar o cão é poupar o homem”, comenta o tenente-coronel.

Para se criar essa confiança mútua e obter melhores resultados com os treinamentos, os cães utilizados pelo Corpo de Bombeiros Militar do Ceará nascem já no canil da corporação. “Na nossa companhia esses cães preferencialmente nascem aqui, porque já nas primeiras semanas de vida começam os treinamentos para a gente não perder nenhum momento dessa evolução deles, de filhote até um cão pronto”, destaca o comandante Lino.

Até ficar apto para o trabalho em campo, os animais passam por treinamentos em um período de 18 a 24 meses. “Você vai trabalhar a parte de socialização, apresentar todos os barulhos que ele vai encontrar no trabalho, quer seja em um escombro, em região de mata. O animal vai ter que se adaptar a andar em solo instável. Ele não pode se distrair. Todas essas situações são apresentadas para o cão ao longo desses dois anos. Junto disso, vem a parte física. Mesmo o cão naturalmente sendo mais condicionado que o ser humano, já que enquanto um homem varre uma área de 10 mil m² em oito horas, ele faz em 20 minutos, tem que haver treinamento físico até o animal chegar no ponto em que a gente ache que ele vai servir bem ao propósito, não vai se cansar facilmente e vai dar uma resposta mais rápida, principalmente quando a gente estiver atrás de pessoas ainda vivas em estruturas colapsadas ou em matas”, explica o tenente-coronel Lino.

Certificação

Os cães depois do treinamento passam por certificações estaduais, regionais e nacionais. São provas feitas para comprovar que os animais estão aptos a realizarem o serviço de busca. Agora em julho oito cães do CBMCE vão passar pela certificação. Até hoje, o percentual de aprovação tem sido 100%.

O comandante considera a escolha das raças um ponto importante para o sucesso do trabalho da companhia. “Você tem que considerar a regionalidade do lugar. Aqui na capital quando a temperatura dá 28º é até razoável. Mas no sertão, a gente já mediu em solo e ela chega a dar 42º. Não é toda raça de cão que aguenta isso. Quando você vai trabalhar o cão como ferramenta, tem que saber para o que você quer. No nosso caso, que é busca e resgate de pessoas, tenho que ter um cão que ofereça resistência física, boa envergadura, dinâmica e que goste de ser humano. As raças que mais se adaptaram para nós foram o pastor belga de malinois, boiadeiro australiano e o labrador”, pontua Lino.