DISQUE PM – RONDA DO QUARTEIRÃO: com ímãs de geladeira, disque PM atende 21 cidades no Ceará

8 de dezembro de 2009 - 00:00

Programa adotado pela Polícia Militar fornece telefones de policiais que atuam em cada região atendida e é inspirado na polícia comunitária canadense 

MATHEUS MAGENTA 
DA AGÊNCIA FOLHA, EM FORTALEZA 

Ao lado dos ímãs de pizzarias e farmácias, famílias de 21 municípios do Ceará têm agora na porta da geladeira os telefones dos policiais comunitários exclusivos do bairro. Neste ano, foram distribuídos quase 1 milhão desses ímãs, em uma espécie de disque PM do principal programa de segurança pública do governo estadual. 
Inspirado na polícia comunitária canadense, o programa Ronda do Quarteirão completou dois anos com visitas diárias a moradores de 21 cidades cearenses. Os telefones que constam dos ímãs são os do carro dos policiais do bairro. 

Especialistas ouvidos pela Folha elogiam a aproximação da polícia com a sociedade e a "sensação de segurança nas ruas", mas afirmam que o programa é "uma imagem construída por propaganda ainda sem resultados visíveis", limitado pela resistência das "estruturas arcaicas" da polícia. 

Desde a criação do programa, os assaltos diminuíram 22%, mas houve aumento do número de homicídios e de processos abertos na Corregedoria contra policiais. O governo não vê ligação entre esses números e a implantação do programa.

Responsável por áreas de até 3 km2, cada equipe do Ronda é obrigada a realizar dez visitas diárias a moradores para falar sobre o programa, distribuir ímãs e panfletos e identificar pontos de insegurança na região segundo os moradores.

A aposentada Zélia Leite, 76, que mora em Meireles, bairro nobre de Fortaleza, tornou-se tão próxima dos policiais que os chama de "netinhos". Na parede da cozinha, ela colou um panfleto distribuído pelo governo com fotos e nomes dos policiais que atendem a região.

Na comunidade do Castelo Encantado, uma das mais violentas da capital cearense, a líder comunitária Irene Neves, 53, já foi ameaçada de morte e teve o muro pichado em razão da proximidade com o Ronda.

Na sala de estar, as fotos dos agentes dividem espaço com as de familiares. A aproximação da comunidade com a polícia e a distribuição maciça de ímãs e panfletos fez crescer o número de denúncias e gerou outro problema grave: a superlotação em cadeias e delegacias.

Apesar da superexposição, os policiais dizem que não estão mais expostos a ataques. "Os bandidos sabem quem nós somos desde o nosso segundo dia de trabalho", afirma Flávio Sabino, vice-presidente da associação de cabos, soldados e bombeiros da PM do Ceará.

O governo diz que o crescimento se deve ao aumento de 20% do efetivo policial no Estado (sendo que a maioria dos novos agentes é do Ronda). As estatísticas, no entanto, não informam quantos policiais denunciados são da polícia comunitária. 

O efetivo do Ronda é formado por 1.600 agentes, sendo que sete em cada dez têm formação superior ou são universitários. Os que já pertenciam aos quadros da polícia passaram por avaliações e têm ficha limpa. 

Ainda assim, eles são suspeitos de excessos como abuso de poder, espancamentos, depredação dos carros e extorsão. 
Para Glaucíria Mota Brasil, coordenadora do grupo de pesquisa em direitos humanos da Universidade Estadual do Ceará, a atuação do Ronda é limitada, devido à estrutura arcaica da polícia. 

Segundo a Corregedoria, o número de processos abertos passou de 656 em 2007 para 908 neste ano (até outubro). 
O governo vigia os agentes. Foram instaladas câmeras e gravadores nos carros e um sistema de localização por satélite. 

O tratamento diferenciado aos quase 1.600 policiais do Ronda (quase 10% do efetivo da PM) gerou insatisfação em alguns policiais militares que não fazem parte do programa. 
No início do programa, agentes do Ronda receberam camionetes Hilux (ao custo de quase R$ 150 mil cada uma), com ar-condicionado, GPS, câmeras e câmbio automático. 
Foram investidos mais de R$ 70 milhões na compra dos veículos -duramente criticados pela oposição ao governador Cid Gomes (PSB) devido ao alto custo de manutenção- e de equipamentos, na formação de novos policiais e no fardamento, criado por um estilista. 
Para Cesar Barreira, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará, aqueles que não foram incluídos se sentiram discriminados, o que criou uma cisão na corporação. 

Processos contra policiais crescem 38% 
DA AGÊNCIA FOLHA, EM FORTALEZA 

Após dois anos de implementação do Ronda do Quarteirão o número de processos abertos contra policiais aumentou 38% na comparação entre este ano e 2007, segundo a Corregedoria da PM.  
"Agora eles confiam e ligam para tudo, desde uma pessoa suspeita na rua até uma briga de família", diz Luís Ricardo da Silva, 24, agente do Ronda. Por precisar ficar em casa para cuidar da mãe doente, ela se tornou uma espécie de informante do programa. As denúncias são passadas durante as visitas, geralmente acompanhadas de café e biscoitos. (Publicado no dia 06/12/2009).